Roberto Amboni
Existem
marcas e produtos cuja simples referência ao seu nome nos transmitem a idéia
do que se trata. Podemos associar qualidades e virtudes a uma marca. Como por
exemplo, podemos citar Coca-Cola, Gillette, Xerox entre outras. Assim como estas
marcas, em qualquer parte do mundo a simples menção ao nome Jeep, leva as
pessoas a associarem este nome aquele carrinho robusto, ex-combatente de guerra,
sem conforto algum, mas muito corajoso e carismático.
A
Primeira Guerra Mundial mostrou a necessidade de um veículo de reconhecimento
leve, rápido, para todo o terreno, que substituísse as tradicionais motos com
side car usadas por mensageiros. O Exército Norte-Americano, com o agravamento
da Segunda Guerra Mundial, lançou este desafio aos fabricantes de automóveis.
Em 11 de julho de 1940 foi enviado um pedido a 135 fabricantes para o
desenvolvimento de um veículo que atendesse as seguintes especificações: veículo
com tração 4x4, em aço estampado de fácil fabricação, capacidade para 03
passageiros e metralhadora .30, peso máximo de 600 Kg (depois mudado para 625
Kg), carga útil mínima de 300 Kg, potência de motor mínima de 40 hp,
velocidade máxima de no mínimo 80 Km/h, entre outras características.
O
prazo de entrega do protótipo era de 49 dias, e 75 dias para a entrega de 70 veículos.
Somente a American Bantam Car Company e a Willys-Overland responderam ao pedido
do Exército. A Bantam foi a única empresa que entregou o protótipo no prazo
vencendo a Willys na concorrência. O protótipo da Bantam, o pequeno MK II (figura
1), foi entregue ao Exército em 23 de setembro de 1940 sendo submetido a
duros testes em mais de 5.000 Km de estradas não pavimentadas. A conclusão
final dos avaliadores foi: “este veículo
demonstrou amplo poder e todos os requisitos para o serviço.” A American
Bantam Car Company foi a empresa que criou o Jeep, ao contrário do que muitos
podem pensar atribuindo este fato a Willys-Overland.
Figura 1 – Protótipo da Bantam MK II
Segundo
o Congressista I. F. Stone, a Ford estaria fazendo pressão junto ao Corpo de
Intendência para introduzir alterações, especialmente no peso, nas especificações
do Jeep. Segundo Stone a nova especificação de 980 Kg foi mudada para conveniência
da Ford e afirmou que fontes bem informadas do Departamento de Guerra
consideravam que o aumento de peso afetaria seriamente a utilidade do veículo
nas funções a ele designadas. Um funcionário da Bantam comentou amargamente
com Stone que teria que lastrear o carro com ferro gusa para torná-lo
suficientemente pesado.
Estes
4.500 veículos iniciais, cujo pedido foi aumentado no transcurso do prazo de
entrega como exigência da Lei de Empréstimos e Arrendamento, foram
considerados de pré-produção. O modelo de pré-produção da American Bantam
foi chamado de BRC-40 (Bantam Reconaissance Car
1940) e foram construídas 2.605 unidades, existindo menos de 100
unidades atualmente. O veículo produzido pela Willys-Overland foi denominado de
Willys MA (Model “A”),
com 1.553 unidades, restando aproximadamente 30 veículos deste modelo. O modelo
da Ford foi chamado de Ford GP, com
uma produção de 4.456 unidades. Existe uma contradição em relação ao
significado das letras GP. Muitos dizem que significa: General
Purpose (veículo de uso geral).
Outra corrente alega que foi um termo criado pelo departamento de engenharia da
Ford onde a letra “G” significa veículo de contrato do Governo e “P”
para carro de reconhecimento com 80 polegadas entre eixos. Restam ainda
aproximadamente 200 unidades deste modelo.
Após
a entrega dos primeiros grupos de veículos pelas três empresas finalmente foi
possível realizar comparações úteis. Os testemunhos iniciais indicavam que
os Jeeps da Willys eram superiores em desempenho graças ao seu potente motor
“Go Devil”. Tinha a melhor aceleração e velocidade máxima de 118 Km/h com
um consumo de 32 a 38 Km por galão (com velocidade de 32 a 80 Km/h). O veículo
da Bantam, com seu aumento de peso perdeu em desempenho, mas ficou acima do
modelo da Ford. O Ford GP foi considerado melhor em questões que nada tinham a
ver com o desempenho tais como: a disposição da alavanca de mudança e do
freio de mão, faróis e conforto dos passageiros. Estas características
refletiam a longa experiência da mesma na produção de veículos de passeio.
Fazia-se
necessário introduzir melhoramentos em todos os três modelos e o exército
decidiu criar um veículo padrão. Foi selecionado o modelo Willys MA (figura
2) devido as suas características superiores em termos de motor e chassi,
incorporando algumas características dos veículos da Bantam e Ford
consideradas superiores. A padronização era exigida para que todas as peças
de todos os Jeeps pudessem ser intercambiáveis, simplificando em muito a
manutenção e o abastecimento de peças de reposição.
O
carro da Willys-Overland que serviu de modelo para a fabricação de mais de
600.000 Jeeps durante a guerra foi designado como Willys MB Truck, ¼ Ton, 4x4,
Command Reconnaissance (Caminhão Willys MB, ¼ tonelada, 4x4, veículo de
reconhecimento).
Wiilys MB e Ford GPW
O
modelo Willys MA sofreu as alterações
solicitadas pelo exército e surgiu o novo modelo: Willys
MB (Model “B”), agora com
a forma do Jeep como se tornou mais conhecido no mundo (figura 3). Os
primeiros MB, de 1941, possuiam a grade dianteira feita com barras de aço
soldadas, parecendo uma grelha. Estes modelos ficaram conhecidos como Slatt
Grill e foram fabricados 25.808 veículos, restando aproximadamente 200 unidades
nos dias atuais.
Figura 3 – Willys MB
Por
volta de outubro de 1941, a procura pelo Jeep era tão grande que se buscou uma
segunda fonte para produção do veículo. Foi estabelecido um acordo entre o
governo americano e a Willys da seguinte forma: a Willys entregaria a um segundo
fabricante o projeto e as especificações do veículo, reservando-se, no
entanto, o direito de produzir pelo menos a metade das encomendas. Em 10 de
novembro foi determinada a fonte alternativa de produção: a Ford. Com o
contrato assinado em 10 de janeiro de 1942, a Ford começou a produção dos
15.000 GPWs (G
- Government P
- distância entre eixos de 80 polegadas W
- padrão Willys) da primeira encomenda. Os Ford GPW são iguais aos Willys MB, pois eram
fabricados sob autorização contratual da Willys (daí o “W”
do nome). Os primeiros modelos de ambas as marcas traziam o logotipo do
fabricante estampado na traseira, mas depois isto foi proibido pelo exército
(meados de 1942). A carroceria do Willys MB era fabricada pela ACM – American
Central Manufacturing, que mais tarde também passou a fabricar a do Ford GPW.
A
partir da metade de 1942 a Willys adotou a grade criada pela Ford, que era feita
em chapa de aço estampada, mais fácil de ser fabricada. Não foram fabricados
GPWs com grade de grelha, apenas Willys MB.
Apesar
da exigência de padronização dos veículos produzidos pela Willys e Ford,
existem pequenas diferenças que permitem reconhecer cada modelo. O chassis do
Willys MB possue a barra transversal dianteira arredondada (tubular), logo
abaixo do radiador. No GPW esta barra era quadrada (perfil retangular U
invertido). O para-choque dianteiro do MB tinha apenas um buraco no centro (para
passagem da manivela de partida manual), enquanto que o GPW possuía três
furos, sendo um no centro (partida manual) e dois menores em cada lado. As
tampas dos porta-ferramentas localizados na traseira do veículo eram lisas no
MB e estampadas em alto relevo com um X nos GPW.
A
produção do Willys MB e do Ford GPW foi até dezembro de 1945, com pequenas
diferenças ao longo do período em que foram fabricados. Foram produzidos
640.000 veículos.
Bem
no início do desenvolvimento do Jeep, o exército também desejava uma adaptação
anfíbia do veículo. Mas as batalhas dos contratos e os problemas de produção
acabaram desviando a atenção desta área interessante. Considerava-se que
havia uma função valiosa para um pequeno anfíbio nos desembarques previstos
para a África do Norte.
Duas
companhias foram encorajadas a produzir protótipos: a Marmon-Herrington e a
Ford. Neste ponto a história se repete, o fabricante menor, depois de construir
o melhor protótipo, foi excluído. O modelo-piloto da Marmon-Herrington (QMC-4)
foi construído com a ajuda da Sperkman & Stephens, uma firma projetista de
barcos de Nova York, mas quem levou o contrato foi a Ford devido a “sua
maior capacidade de produção”.
O
Ford GPA (G
- Government P
- distância entre eixos de 80 polegadas Amphibian),
não foi um sucesso como o seu irmão terrestre. O desenvolvimento e testes do
veículo foram feitos de forma apressada resultando num veículo que acabou não
agradando aos militares. Apesar disso foram produzidas 12.778 unidades. O GPA, conforme ilustra a figura 4, era formado por um casco cercando
um interior semelhante ao GPW e com
uma saída de força para a hélice. O equivalente alemão do GPA, o Volkswagen
Schwimmwagen, apresentava desempenho bastante superior, especialmente em
terra, além disso era mais leve e mais curto.
Figura 4 – O Jeep Anfíbio – Ford GPA
De
onde veio o nome Jeep? Existem muitas teorias a este respeito. Muitos acreditam
que a pronúncia veio do anacronismo da sigla G.P (pronuncia-se gee pee),
de General Purpose. Esta é a origem mais aceita por ser uma racionalização
conveniente.
Outra
explicação de acordo com o Major E. P. Hogan em seu artigo na revista Quartermaster
Review de setembro/outubro de 1941 é de que o termo Jeep era utilizado
pelos mecânicos do exército para designar qualquer novo veículo motorizado
recebido para testes.
Interessante
também é a alusão que o nome teria sido herdado em referência ao personagem
“Eugene, the Jeep” da história
em quadrinhos do marinheiro Popeye (figura 5), de 1936. Eugene, the Jeep,
era um pequeno animal com o poder de viajar entre as dimensões e resolver todos
os tipos de problemas. As semelhanças entre os poderes de “Eugene” e os
caminhões de ¼ de tonelada do exército são bastante notáveis para que o
nome fosse casualmente transferido para o veículo.
Figura
5 – Eugene, The Jeep
Em
1948 os militares desejavam substituir os jeeps da Segunda Guerra Mundial ainda
em uso. Desde 1945 não era fabricado nenhum jeep. O jeep-padrão começava a
dar sinais de superação e um novo veículo era necessário, mas não havia
dinheiro para um projeto de tamanha envergadura. Devido as condições
financeiras foi decidido pela revisão do Jeep MB.
O
modelo revisado foi denominado de M38, que não era muito diferente do MB. A
principal modificação foi o aumento na capacidade de vadear águas profundas,
para isto o M38 passou a contar com
um sistema elétrico a prova de água de 24 volts (no MB era de 06 volts), peças
especialmente vedadas e um sistema elevado de entrada de ar para o carburador.
Esta versão passou a ter os faróis maiores, destacados na grade frontal. A
grade frontal passou a ter 7 aletas de ventilação por causa do tamanho dos faróis
(os MB possuiam 9 aletas e faróis embutidos).
Em
1951 a versão seguinte, M38A1 (figura
6), foi entregue aos militares. Era mais robusto e tinha um motor de
75 HP (este motor foi chamado de Hurricane) e corrigia deficiências do modelo
M38. Foi produzido até o ano de 1963. Devido a alteração do motor, este
modelo sofreu uma alteração do capô deixando-o parecido com os jeeps civis
que podemos ver circulando em nossas ruas.
Figura 6 – O sucessor do famoso MB, o M38A1
Em
março de 1951 a Ford celebrou um contrato de pesquisa com o exército americano
para o desenvolvimento de veículos alternativos. Em 1959, após testes com
diversos protótipos foi entregue ao exército um veículo radicalmente mudado.
Os estudos foram realizados a partir das melhores características de operação
do Caminhão de Reconhecimento de ¼ tonelada, 4x4, utilitário (esta era a
denominação do Jeep dentro do exército americano). O visual do novo veículo
foi reestilizado para comportar tudo novo: mecânica, suspensão, parte elétrica
entre outras alterações. Nasceu assim o MUTT
– Military Utility Tactical Truck
ou M151 (figura 7).
Este veículo foi fabricado pela Ford e pela Kaiser Jeep de 1959 até 1970
quando deixou de ser produzido pela constatação de um grave problema: seu
sistema de suspensão provocava muitas capotagens. Ainda existem muitos deste veículos
em uso em vários países, menos nos Estados Unidos, onde muitas unidades novas,
0 Km, esperam seu fim em desmanches militares. Atualmente o veículo padrão no
exército americano é o Hummer, que pode ser visto em diversos filmes atuais.
Figura 7 - M151 - MUTT
Antes
mesmo da guerra acabar a Willys-Overland percebeu que os populares veículos
Jeep poderiam servir ao mercado civil. A frase: “O Jeep em trajes civis”
aparecia com grande freqüência na revista da Willys-Overland e em anúncios de
jornais publicados durante e logo após a Segunda Guerra Mundial.
A
evolução do Jeep para o mercado civil tinha começado antes da vitória. Em
1944 foram desenvolvidos planos para se utilizar o Jeep na agricultura, pois o
mesmo teria sucesso garantido se usado como implemento agrícola, carro de
trabalho, puxador de peso e além disto levar a família à missa aos domingos.
Com este objetivo, 22 protótipos do veículo civil foram produzidos a partir do
modelo militar e receberam o nome de CJ-1
(Civilian Jeep).
A
partir destes protótipos foi lançado em agosto de 1945 o primeiro Jeep civil,
o CJ2A ao preço de US$ 1.090,00. Os anúncios proclamavam: “Uma usina de força sobre rodas”. Possuía uma porta
traseira, estepe montado lateralmente, faróis maiores, limpador de para-brisas
automático, tampa do tanque de combustível externas e outros detalhes não
disponíveis em seus antecessores militares (figura 8). Em 1949, foi lançado
o modelo CJ3A, similar ao CJ2A, mas com uma transmissão e caixa de transferência
mais robusta.
Figura 8 – O Jeep Civil – CJ2A
O
modelo CJ foi atualizado em 1953, para o modelo CJ3B. A carroceria do mesmo
recebeu um capô e grade dianteira mais altos para acomodar o novo motor de 4
cilindros Hurricane F-Head, mais robusto que seu antecessor o popular “Go
Devil”. No Brasil este modelo devido a sua nova frente mais alta recebeu o
simpático apelido de “Cara de Cavalo”
(figura 9)
Figura 9 – CJ3B – o popular “Cara de Cavalo”
Em
abril de 1953, a Willys-Overland foi vendida para Henry J. Kaiser por 60 milhões
de dólares. A Kaiser introduziu em 1955 o modelo CJ-5, que possui o design de
Jeep mais conhecido por todos, pois foi produzido até a década de 80 (figura
10). Melhorias constantes no motor, eixos, transmissões e conforto de
assento, fizeram o CJ5 o veículo ideal para o público. Além destes modelos
ainda foram produzidos o CJ6, conhecido no Brasil como “Bernardão” que possuía uma distância entre-eixos de 101
polegadas (o CJ5 tinha 81 polegadas entre-eixos) com opção de 04 portas e nos
EUA ainda foram produzidos os modelos CJ7 e CJ8, Scrambler, que era a mistura de
um Jeep com uma pequena pick-up.
Figura 10 – CJ5 – o último modelo produzido no Brasil
A
marca Jeep foi registrada em 1950 pela Willys-Overland, passou para a Kaiser,
desta para a American Motor Corporation e finalmente para a Chrysler.
Recentemente com a fusão da Daimler-Benz com a Chrysler, a marca ficou com a
Daimler-Chrysler com mais de 1.100 registros da marca Jeep em todo o mundo.
Este
é apenas um resumo da história deste valente veículo que serviu aos Aliados,
contribuindo para a derrota do Eixo e obtenção da paz no mundo (naquela época).
Referências
Bibliográficas:
Jipe,
O Indestrutível. D. Denfeld e Michael Fry. Ed. Renes Ltda.
Classic
Jeep – João
Paulo Lopes (www.classicjeep.com.br)
Clube
de Veículos Militares Antigos do Rio de Janeiro
(www.cvmarj.com.br)
The Jeep.
J. G. Jeudy e M. Tararine. Vilo Inc.
Hail to the Jeep.
A. Wade Wells. EMS Publications.
All American Wonder – Vol I. Ray Cowdery. USM Inc.
Sigma – História do Jeep (www.geocities.com/Pipeline/Slope/5497/mergulho/jeep.html)